Nascimento, Família e Infância
Frei Damião nasceu em Bozzano, município de Massarosa, Província de
Lucca, na Itália, aos 05 de novembro de 1898. Foi o segundo dos cinco
filhos do casal Félix e Maria Giannotti, camponeses italianos de sólida
formação cristã e católica. O filho mais velho da família, Guilherme
Giannotti, tornou-se padre diocesano e depois recebeu o título de
Monsenhor, destacando-se como professor e diretor espiritual no
Seminário Arquiepiscopal de Lucca-Itália. A irmã mais nova, Pia
Giannotti, tornou-se freira da Congregação das Irmãs de Santa Zita
(Zitinas).
No dia seguinte ao seu nascimento, foi batizado na igreja dos santos
Catarina e Próspero, matriz de Bozzano, recebendo o nome de Pio
Giannotti. Aos dez anos de idade, em 15 de junho de 1908, foi crismado
na Catedral de Lucca, pelo Cardeal Lorenzelli. Todavia, o dia da sua
Primeira Comunhão foi para o menino Pio Giannotti o mais especial, após a
experiência que teve diante de Jesus Crucificado, que o marcou pelo
resto de sua vida. Segundo o testemunho de uma de suas irmãs, Josefa,
após a missa da Primeira Comunhão, quando voltaram para casa, logo o
menino desapareceu, preocupando a todos da família. Ela saiu à sua
procura e encontrou-o, para sua surpresa, ajoelhado diante de um
crucifixo que Ele mesmo colocara no sótão da casa, onde guardavam os
mantimentos para o inverno, rezando e chorando a paixão de Nosso Senhor
Jesus Cristo. Eis porque durante toda a vida, jamais se separou do
crucifixo!
A Vocação à vida religiosa
Depois da experiência com o Crucificado, Pio Giannotti começou a
externar os primeiros sinais de sua vocação, com o desejo de
consagrar-se inteiramente a Deus. Não seguiu o mesmo caminho do irmão
Guilherme, que era padre diocesano, ma, tocado pelo testemunho dos
filhos de São Francisco de Assis, aos 13 anos de idade, a 17 de março de
1911, ingressou no Seminário Seráfico de Camigliano, da Ordem dos
Frades Menores Capuchinhos. Aos 17 anos, em julho de 1915, emitiu os
primeiros votos, recebendo o nome de Damião, Frei Damião de Bozzano,
indicando sua cidade de origem.
Formação Religiosa e Intelectual
Sendo professo simples na Ordem dos Capuchinhos, Frei Damião iniciou o
estudo da Filosofia. Teve, contudo, que parar por algum tempo, devido à
convocação, em setembro de 1918, para o serviço militar na Primeira
Guerra Mundial. Ficou acampado em Zara, uma zona de conflito. Voltando
para o convento, depois do fim da guerra, Frei Damião emitiu a sua
Profissão Perpétua, selando para sempre com o Senhor o compromisso de
viver em castidade, em obediência e sem nada de próprio, conforme a
Regra de São Francisco de Assis e as Constituições da Ordem dos Frades
Menores Capuchinhos. No ano de 1920, iniciou estudo da sagrada Teologia.
A seguir, foi enviado à Universidade Gregoriana de Roma, onde concluiu
os estudos, com láurea em Direito Canônico e Teologia Dogmática. Em 05
de agosto de 1923, ele foi ordenado sacerdote na igreja do antigo
Colégio São Lourenço de Bríndisi, em Roma.
Serviços prestados
Dois anos após a sua ordenação, Frei Damião de Bozzano foi nomeado
vice-mestre de noviços de sua Província religiosa (Lucca-Itália). Em
1926, foi nomeado diretor e professor dos frades estudantes, cargo que
exerceu até 1931, ano de sua vinda para o Brasil. E no Brasil foi eleito
Assistente (Conselheiro) da então Custódia Geral dos Capuchinhos de
Pernambuco. Aqui, dedicou-se às Santas Missões durante 66 anos.
No Brasil: Residências e Andanças Missionárias
A Província dos Capuchinhos de Lucca-Itália assumiu a Missão de
Pernambuco no ano de 1930, quando aportou em Recife o Frei Félix de
Olívola, nomeado Superior da dita Missão. Por seu expresso pedido,
obediente ao mandato de Cristo aos apóstolos: “Ide por todo mundo e
pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16,15), Frei Damião deixou sua
Itália querida e veio, juntamente com os Freis Inácio de Carrara e Bento
de Terrinca, como missionário para o Nordeste do Brasil. Partiu da
cidade de Gênova, no navio Conte Rosso, aos 28 de maio de 1931,
desembarcando no porto do Recife, em Pernambuco, aos 17 de junho de
1931.
No Brasil, sua primeira residência foi o Convento de Nossa Senhora da
Penha, donde partiu para pregar as Santas Missões, começando pelo Sítio
Riacho do Mel, município de Gravatá-PE, a 35km da capital. Desde então,
durante 66 anos, percorreu como fiel filho de São Francisco as secas,
porém, férteis terras nordestinas, “enfrentando sol e chuva e poeira nas
estradas”, pregando, confessando, celebrando a Eucaristia e convidando à
conversão e à mudança de vida. Para melhor difundir a mensagem por ele
anunciada, escreveu o livro “Em Defesa da Fé”. Durante esse tempo morou
em Recife-PE, Maceió-AL (no período da Segunda Guerra Mundial) e em
Natal-RN (onde fez parte da primeira Fraternidade, ou seja do primeiro
grupo de frades que residiram na capital potiguar). Mas, a maior parte
do tempo era em andanças de cidade em cidade.
As Santas Missões: O Estilo de Evangelização
As Santas Missões eram um tempo forte de graça e conversão! A cidade
parava para ouvir e celebrar a Palavra de Deus proclamada pelo Frei
Damião. Era sempre recebido com festa e tratado com muito carinho como
ele mesmo afirmava. Porém, fazia questão de dizer que tudo aquilo não
era para ele, mas para Deus de quem o povo o via como mensageiro. Não
pregava a si mesmo, mas o Evangelho de Cristo.
Frei Damião, antecedido por outros tantos abnegados capuchinhos
missionários no Nordeste, desenvolveu um estilo próprio de
evangelização, através das Santas Missões. A Missão geralmente começava
na segunda-feira. Ao cair da tarde, o missionário era recebido á entrada
da cidade e conduzido, geralmente em carreatas, à igreja matriz, ali
dirigia as primeiras palavras à multidão que esperava, sedenta, ouvir a
voz do Peregrino de Deus. À noite, rezava o terço com o povo, fazia o
grande sermão, seguido da bênção do Santíssimo Sacramento, e, em
seguida, confissão para os homens até meia-noite ou mais. Nas primeiras
horas do amanhecer, às 4h30min., com a campainha na mão, acordava os
cristãos: “Vinde pais e vinde mães…”, chamando as pessoas para a
caminhada de penitência, seguida do canto do Ofício de Nossa Senhora ou
das benditas Almas do Purgatório, e da celebração da missa e das
confissões.
Frei Damião confessava mais de 12 horas por dia, celebrava com o povo
o Sacramento do Perdão de Deus. Com carinho paterno, jeito terno e, às
vezes, severo, ele orientava os corações para Cristo.
Durante a semana da Missão, havia encontros específicos com as
mulheres, com os homens, com os jovens, catecismo para as crianças,
visitas aos doentes e aos encarcerados. O encerramento dava-se no
domingo com a procissão dos motoristas e bênção dos automóveis pela
manhã e, á noite, o grande sermão com os últimos conselhos do
missionário. Tinha uma pregação de conteúdo moral e apologético,
propondo, assim, demonstrar a verdade da doutrina cristã católica,
defendendo-a diante de teses contrárias, ou seja, sistematizando a fé
cristã católica, sua origem, credibilidade e autenticidade. Fazia parte
do Sermão a pregação que apontava para “Os Novíssimos”: Morte, Juízo,
Céu e Inferno. Lembrando que o Livro do Eclesiástico contém um conselho
fundamental para nossa salvação: “Em todas as tuas obras, lembra-te dos
teus novíssimos, e jamais pecarás (Ecl. 7, 40). Assim se recordarmos
sempre da morte, do juízo, do céu e do inferno jamais pecaremos. Se o
mundo anda tão mal, é porque pouco se medita ou mesmo não se cogita
seriamente sobre os Novíssimos. Os Santos, no entanto, não só os tinham
sempre presentes, mas também pregavam sobre eles aos outros. Assim o fez
e ensinou Frei Damião de Bozzano.
Companheiros de Missões
Como companheiros de missões, Frei Damião teve o apoio de Frei
Antônio de Terrinca, Frei Cipriano de Ponteccio, Frei Eduardo de
Strettoia, Frei Félix de Pomezzana e aquele que por mais de 50 anos
esteve a seu lado, Frei Fernando Rossi. Ao lado do Servo de Deus, esteve
em muitos lugares, especialmente nos Estados de Pernambuco, Paraíba,
Rio Grande do Norte, Alagoas, Sergipe, Ceará e Piauí. Atualmente, reside
na Vila São Francisco, município de Quebrangulo-AL.
Resistência, Doação, Dom da Escuta e Espiritualidade
Frei Damião era de uma resistência extraordinária. Até 1990, pregou
missões no mesmo ritmo, de segunda a domingo, de 10 de janeiro a 31 de
dezembro, parando apenas quando estava doente e, mesmo no hospital, não
deixava de atender ao povo. Arrastava multidões. Todos queriam ouvir sua
voz e tocá-lo. Era querido pelo povo como um pai, um padrinho, alguém
da família. Não falava simplesmente à multidão, mas ao coração de cada
um em particular. Por isso, acolhia a todos sem distinção, do rico ao
pobre, do letrado ao analfabeto, era irmão de todos, e a todos exortava a
viverem na amizade de Deus e a abandonarem o pecado. Ouviu a alma do
nosso povo e não somente os pecados, mas as dores e as alegrias.
Tornou-se solidário conosco, um de nós, nordestino como nós, para levar
todos a Cristo. Jamais se separou do crucifixo, nem do rosário da mãe de
Deus. Como autêntico franciscano, alicerçou sua vida missionária sobre
os principais pilares da espiritualidade franciscana: a Cruz, a
Eucaristia e Maria.
Doença e Morte
Durante muito tempo, Frei Damião sofreu de erisipela, devido à má
circulação sanguínea. E no ano de 1990, após ter sofrido uma embolia
pulmonar, diminuiu o ritmo das Santas Missões, passando apenas para os
finais de semana. Na simplicidade de um quarto, na casa que lhe fora
construída como enfermaria, viveu seus últimos dias, cercado pelo
carinho do seu povo que, aos milhares, vinha ao seu encontro. Mas, em
1997, sua saúde agravou-se bastante. Bastante. Foi internado várias
vezes no Real Hospital Português do Recife, sob os cuidados do Dr.
Blancard Torres. Ele pregou sua última Santa Missão na cidade de
Capoeiras-PE, em fevereiro de 1997. Depois, adoeceu novamente tendo que
ser levado ao Hospital Sara Kubitschek, em Brasília-DF, para que lhe
fosse confeccionada uma cadeira ortopédica que o ajudasse a respirar
melhor. Em 12 de maio de 1997 foi novamente internado no Real Hospital
Português, na capital pernambucana, mas, fato inusitado, ele em dado
momento foi encontrado rezando o rosário com o povo numa das salas do
hospital. Fora sua última missão: rezar com o povo o rosário de Nossa
Senhora. No dia seguinte, 13 de maio, sofreu um derrame cerebral sendo
levado para a UTI. No dia 31 de maio, às 19h20min., Frei Damião partiu
para a casa do Pai, aos 98 anos de idade, cercado pela oração de seus
confrades, da equipe médica que dele cuidara e sob a melodia de cânticos
e hinos.
Luto, Velório e Sepultamento
Tendo sido embalsamado, o corpo de Frei Damião foi velado na Basílica
de Nossa Senhora da Penha, no centenário bairro de São José, em
Recife-PE. Os governos federal e estadual declararam luto oficial. E ao
longo de três dias de velório, mais de 300 mil pessoas enfrentaram filas
quilométricas, passando até cinco horas para chegar ao local do
velório, a fim de dar-lhe o último adeus. Personagens de renome
fizeram-se presente ao velório, desde clérigos, religiosos e religiosas,
políticos, artistas a fiéis comuns. A morte do “Missionário do
Nordeste” foi anunciada pelos principais meios de comunicação do país e
do estrangeiro, especialmente na sua terral natal, a Itália, e até mesmo
na Rádio Vaticano.
No dia 04 de junho de 1997, o corpo de frei Damião foi levado em
carro aberto até ao Estádio do Arruda, para a missa solene de despedida,
presidida pelo arcebispo metropolitano de Olinda e Recife, Dom José
Cardoso Sobrinho, OC., e concelebrada por dezenas de bispos e centenas
de padres. Do estádio, em helicóptero, foi transportado para o Convento
São Félix de Cantalice, no bairro do Pina, em Recife-PE, onde vivera
seus últimos anos de vida. Ali, na capela dedicada à Nossa Senhora das
Graças, foi sepultado sob cânticos, aplausos e pétalas de rosas.
As Romarias e a Fama de Santidade
Desde o sepultamento, todos os domingos, muitos fiéis, romeiros e
romeiras, advindos dos mais diversos recantos do Nordeste e d’outras
partes do País, alguns até do estrangeiro, acorrem ao túmulo de Frei
Damião, para rezar e suplicar a Deus uma graça por sua intercessão. São
sempre festa, devoção, piedade e alegria, como nos dias das Santas
Missões.
A fama de santidade de Frei Damião espalha-se a cada dia. Ele é, para
todo cristão, um modelo de seguimento de Jesus Cristo e de
concretização do mandato do Senhor: “Sede santos como o vosso Pai do Céu
é santo” (Mt 5,48). Afirmam os confrades contemporâneos de Frei Damião
que sua fama de santidade já começara na Itália, destacando-se como
frade piedoso e zeloso sacerdote, entregue à oração, à contemplação e de
profunda identificação com o carisma capuchinho de viver em
fraternidade, segundo a forma do Santo Evangelho. Aqui no Brasil,
destacou-se, além disso, por sua resistência como confessor, sua
sabedoria como pregador e sua convicção das verdades de fé que
anunciava, deixando-as transparecer pelo seu exemplo de vida, e também
por sua identificação franciscana com os pobres e desvalidos do
Nordeste, terra tão sofrida e marcada pelas intempéries do tempo e das
injustiças sociais. Por isso, valeu-se do dom da escuta, para acolher e
ouvir a todos que o procuravam, na partilha sincera de suas vivências e
nos sussurros ao pé do ouvido feitos por muitos que não tinham voz nem
vez, e que Frei Damião em prece levava ao coração de Deus.
É claro que no coração dos nordestinos Frei Damião já tem um altar,
pois todos reconhecem a sua santidade, mas isso precisa ser analisado e
reconhecido pela santa Igreja, a quem compete pronunciar-se oficialmente
sobre a santidade de uma pessoa e apresentá-la como modelo ao mundo,
inclusive dando-lhe as honras dos altares. Para isso, está em trâmite o
seu Processo de Beatificação e Canonização, aberto em 2003.
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