
Aumento acelerado de presos intensifica problema da superlotação
O número de pessoas presas no
Brasil cresceu 6% somente nos seis primeiros meses deste ano,
intensificando uma tendência que fez do Brasil um dos três países do
mundo com maior aumento da população carcerária nas últimas duas
décadas.
Segundo dados recém-divulgados pelo Ministério
da Justiça, o número total de presos em penitenciárias e delegacias
brasileiras subiu de 514.582 em dezembro de 2011 para 549.577 em julho
deste ano.
Uma das principais consequências
desse aumento é a superlotação das prisões, já que novas vagas não são
criadas na mesma velocidade que o aumento do número de presos. Em julho,
havia um déficit de 250.504 vagas nas prisões do país, segundo os dados
oficiais.
Em 1992, o Brasil tinha um total de 114.377
presos, o equivalente a 74 presos por 100 mil habitantes. Em julho de
2012, essa proporção chegou a 288 presos por 100 mil habitantes. No
período, houve um aumento de 380,5% no número total de presos e de
289,2% na proporção por 100 mil habitantes, enquanto a população total
do país cresceu 28%.
Segundo levantamento feito a pedido da BBC
Brasil pelo especialista Roy Wamsley, diretor do anuário online World
Prison Brief (WPB), nas últimas duas décadas o ritmo de crescimento da
população carcerária brasileira só foi superado pelo do Cambodja (cujo
número de presos passou de 1.981 em 1994 para 15.404 em 2011, um aumento
de 678% em 17 anos) e está em nível ligeiramente inferior ao de El
Salvador (de 5.348 presos em 1992 para 25.949 em 2011, um aumento de
385% em 19 anos).
Se a tendência de crescimento recente for
mantida, em dois ou três anos a população carcerária brasileira tomará o
posto de terceira maior do mundo em números absolutos da Rússia, que
registrou recentemente uma redução no número de presos, de 864.197 ao
final de 2010 para 708.300 em novembro dese ano, segundo o último dado
disponível.
"Por mais esforço que o Estado faça, não dá
conta de construir mais vagas no mesmo ritmo", admite o diretor do
Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça,
Augusto Rossini.
Segundo ele, o crescimento acelerado no número
de prisioneiros no país é consequência tão somente do aumento da
criminalidade, mas também do endurecimento da legislação penal, da
melhoria do trabalho da polícia e da maior rapidez da Justiça criminal.
'Recompensa nas urnas'

Para especialista, excesso de prisões eleva também a taxa de reincidência
Alguns críticos, porém, afirmam que falta ao Executivo e ao Legislativo no Brasil uma vontade política para encontrar saídas alternativas à prisão e evitar o aumento descontrolado no número de prisioneiros.
"A sociedade ainda não pode abrir mão da prisões, mas elas deveriam servir só para conter os criminosos de alto risco", defende José de Jesus Filho, assessor da Pastoral Carcerária Nacional.
Para ele, "entre 70% e 80% dos presos" poderiam cumprir penas alternativas, como compensação às vítimas, prestação de serviços à comunidade, vigilância à distância e recolhimento noturno.
"Isso também reduziria a taxa de reincidência e o custo para o Estado de manter tantos presos", diz. "Mas as razões do Estado são políticas, não necessariamente de interesse público, então não há vontade para investir nisso", critica.
Alguns críticos, porém, afirmam que falta ao Executivo e ao Legislativo no Brasil uma vontade política para encontrar saídas alternativas à prisão e evitar o aumento descontrolado no número de prisioneiros.
"A sociedade ainda não pode abrir mão da prisões, mas elas deveriam servir só para conter os criminosos de alto risco", defende José de Jesus Filho, assessor da Pastoral Carcerária Nacional.
Para ele, "entre 70% e 80% dos presos" poderiam cumprir penas alternativas, como compensação às vítimas, prestação de serviços à comunidade, vigilância à distância e recolhimento noturno.
"Isso também reduziria a taxa de reincidência e o custo para o Estado de manter tantos presos", diz. "Mas as razões do Estado são políticas, não necessariamente de interesse público, então não há vontade para investir nisso", critica.
Um dos maiores especialistas do mundo no tema, o
finlandês Matti Joutsen, faz coro ao argumento. Diretor do Instituto
Europeu para Prevenção e Controle ao Crime (Heuni), órgão consultivo da
ONU, Joutsen diz que em vários países há "uma vontade em particular dos
políticos em encontrar soluções fáceis para problemas vexatórios".
"Seus cidadãos estão preocupados com mais roubos
ou assaltos? Aumente a punição. Há mais histórias sobre tráfico de
drogas na mídia? Aumente a punição. Houve algum caso particularmente
repulsante de estupro ou sequestro? Aumente a punição. Nunca se importam
em tentar melhorar as políticas sociais, oferecer aos criminosos em
potencial alternativas de vida ou investir em medidas de prevenção",
observa.
Segundo ele, essas alternativas "não trazem as
mesmas promessas de recompensa imediata nas urnas". "'Endurecer contra o
crime' sempre cai bem com a sua base política e é certamente um
chamariz de votos", afirma.
Penas alternativas

Diretor do Departamento Penitenciário Nacional diz que aumento de presos não é objetivo
O diretor do Depen afirma que o interesse do
governo é reduzir o número de presos e aumentar a aplicação de penas
alternativas, além de oferecer programas de ressocialização que permitam
a remissão das penas dos condenados e evitem a reincidência após a
soltura.
Mas ele observa que grande parte desse esforço
depende da Justiça e dos legisladores. "Se os eleitores clamam por mais
Justiça, os deputados e senadores não podem ficar alheios a isso. Dar
uma resposta à sociedade também é importante para que ela não saia
fazendo Justiça com as próprias mãos", observa.
Segundo ele, a prisão também tem um importante
aspecto de prevenção ao crime. "O povo teme a prisão, e muitos deixam de
cometer crimes porque temem ir para a cadeia", afirma.
Entretanto alguns críticos contestam esse
argumento e afirmam que, ao invés de prevenir crimes, o aprisionamento
em massa pode ter o efeito de elevar a criminalidade.
Um estudo publicado em 2007 por Don Stemen,
diretor de pesquisas do Center on Sentencing and Corrections, dos
Estados Unidos, argumenta que não existe uma relação direta entre
prisões e criminalidade.
Ao analisar dados de diversas pesquisas que
tentaram estabelecer essa relação com base em dados americanos, ele
aponta que diferentes metodologias e períodos analisados indicaram desde
uma redução de 22% no crime com um aumento de 10% nas taxas de
encarceramento até um aumento pequeno na criminalidade.
No Brasil, vários indicadores de criminalidade
também continuaram aumentando nas últimas duas décadas, apesar das taxas
recorde de aprisionamento.
De acordo com dados do Ministério da Saúde, o
número total de homicídios no país passou de 31.989 em 1990 para 52.260
em 2010 (aumento de 63%). Na proporção por 100 mil habitantes, houve um
aumento de 23% (de 22,2 homicídios por 100 mil habitantes para 27,3 por
100 mil).
'Mentalidade criminosa'

Para especialistas, programas de ressocialização de presos ainda não incipientes
Para Matti Joutsen, do Heuni, é possível que o
aumento no número de prisioneiros provoque um aumento na violência. "Os
prisioneiros são geralmente soltos na sociedade após alguns anos, e se
não há tentativas efetivas de reabilitá-los e de prepará-los para a
soltura, eles estarão em sua maioria mais propensos a cometer novos
crimes", afirma.
"Afinal de contas, por cortesia do governo, eles
acabaram de passar os últimos anos entre um grande número de
criminosos, formando novas alianças, aprendendo novas técnicas
criminosas, conhecendo novas oportunidades criminais e formando sua
'mentalidade criminosa'", argumenta.
Para ele, "quando os criminosos são soltos de
volta para as favelas de São Paulo, do Rio de Janeiro ou de qualquer
outro lugar sem um trabalho, sem uma casa e com perspectivas muito
ruins, é muito provável que adotem novamente um estilo de vida
criminoso", diz.
Joutsen observa que a superlotação e as
condições precárias do sistema prisional brasileiro tornam "praticamente
impossível" a implementação de qualquer programa de larga escala para
promover a ressocialização dos presos.
"Como você ensina uma profissão a uma pessoa,
provê educação básica, promove valores básicos e prepara ela para voltar
à comunidade em liberdade, pronta para encontrar um emprego,
estabelecer uma família, encontrar uma casa e se adequar à sociedade
quando o governo já tem restrições em seus gastos e não há aparentemente
vontade política de gastar os recursos limitados com os prisioneiros?",
questiona.
Para José de Jesus Filho, da Pastoral
Carcerária, falta ao governo um plano para reintegração social dos
presos. "No final do ano passado, o governo anunciou um plano de US$ 1,1
bilhão para a construção de 42,5 mil novas vagas em presídios, mas não
alocou nem um centavo para a ressocialização dos presos", critica.
"O que existem são apenas projetos-piloto, sem a dimensão necessária. Não é uma política universal do Estado", afirma.
Para ele, a função do encarceramento em
ressocializar o criminoso está sendo deixada de lado, e as prisões no
país "são vistas mais como meio de vingança da sociedade e de isolamento
das populações mais marginalizadas".
O diretor do Depen afirma que o governo
brasileiro "reconhece seus problemas e vem se esforçando por uma
política criminal correta, que gere segurança para as pessoas e ajude a
ressocializar os presos". "Estamos constantemente em busca de soluções",
afirma.
Maiores populações carcerárias
Fontes: World Prison Brief / Ministério da Justiça do Brasil | ||||
País | Nº total de presos | Presos por 100 mil habitantes | Taxa de ocupação nas prisões | |
1 | EUA |
2.266.832 |
730 | 106% |
2 | China |
1.640.000 |
121 | n/d |
3 | Rússia | 708.300 | 495 | 91% |
4 | Brasil | 514.582 | 288 | 184% |
5 | Índia | 372.296 | 30 | 112% |
6 | Irã | 250.000 | 333 | 294% |
7 | Tailândia | 244.715 | 349 | 195% |
8 | México | 238.269 | 206 | 126% |
9 | África do Sul | 156.659 | 307 | 132% |
10 | Ucrânia | 151.137 | 334 | 97% |
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